terça-feira, 25 de março de 2008

A minha visão

O meu irmão faz hoje anos.
Vinte e oito.
Quisera ele esconder a idade e não poderia.
Está aqui escarrapachada para toda a eternidade.
Nasceu a 25 de Março de 1980.
Um glorioso ano para se nascer.
Chegou ao ano 2000 com a fantástica idade de 20 anos!
Como eu invejo o facto de ele ter nascido num ano com o número redondo, e logo eu, que nasci num ano super bicudo...o de 1971!
Ele nasceu a uma Terça ou a uma Quinta - Feira, não tenho bem a certeza.
Sei que, tal como agora, corriam as férias da Páscoa.
E que estava um dia de Primavera lindo, com o sol quente e o céu bem, bem azul.
Lembro-me de ter sido um dia normal...mas um tanto ou quanto diferente também.
Lembro-me da espera.
De ter achado que estava sozinha no mundo, sem Mãe, sem Pai e com um Irmão a chegar.
Recordo-me de achar que tinha um papel importantíssimo a desempenhar neste dia...o da irmã que espera, conformada com a demora e que se porta na perfeição para não causar qualquer transtorno aos Pais.
Fi-lo com um brio!
Acho que estava excitadíssima, mas parece-me que ninguém o soube, tão compenetrada estive neste papel de irmã mais velha.
Não transpirou a minha impaciência.
Acho!
A minha Mãe foi de madrugada para o hospital com o meu Pai e eu fiquei entregue aos cuidados de uma amiga: A Fernanda.
Tenho a vaga ideia que foi ela que me levantou da cama e me deu o pequeno almoço.
A manhã passei-a a brincar no quintalão dos correios com a Maria João e a Rita.
E foi em casa delas que almocei, depois de ter vendido a manta à Fernanda, com quem era
suposto almoçar, trocando - a por um atum com feijão frade em casa dos Carreiras.
Este é um prato que abominava à altura, agora adoro, mas que face à brincadeira, preferi.
E caladinha e resignada à minha triste sorte, comi.
Por volta das cinco da tarde, estava eu em frente aos correios, não sei bem a fazer o que ou com quem, vejo o meu Pai a chegar e a dizer "Já nasceu. Anda vê-lo".
Morreu a memória do caminho.
Não sei como foi.
Lembro-me dos corredores do hospital desertos.
Estava tudo vazio.
O meu Irmão foi dos últimos bebés a nascer nesta santa terrinha.
Os passos ecoavam pelo espaço que era e é enorme.
A vontade de correr era grande...pareciam kilómetros que eu estava a percorrer.
Mas novamente me contive, num misto de pudor e reverência, por quem ia visitar.
E pelo meu papel claro!
Se era para ser bem comportada, era para ser bem comportada!!!!
A minha Mãe estava no último quarto daquela ala.
Todos os outros estavam vazios.
O hospital era dela.
O quarto tinha três camas e ela ocupava aquela que estava mais próxima da porta.
Como é óbvio, não lhe passei cartão nenhum quando entrei, porque também não sabia muito bem o que fazer ou dizer...nunca tinha estado naquelas circunstâncias!
Acho que fiquei meio estática e hesitante face à novidade.
Ao lado da cama estava o berço.
Pois estava....era suposto eu fazer alguma coisa?
A partir daqui a memória esfuma-se e penso que o que guardo são sobretudo imagens e já não sensações ou sentimentos daquele dia e dos dias mais próximos que se lhe seguíram.
Lembro-me de estar orgulhosíssima dos meus Pais, de mim e do meu Irmão.
E de estar lhes grata por aquele "coiso" que tinham posto na minha vida.
Embora eu não percebesse muito bem como...o certo é que ele estava ali.
Era meu.
Do meu irmão, dos meus sentires por ele, das metas que me e lhe tracei na nossa relação de irmandade, guardo muita coisa e com ele vivi e tenciono viver muito ainda.
Inconscientemente assumi de imediato a responsabilidade daquele Ser, como se fosse desígnio divino eu cuidar dele e do seu bem estar em todos os planos.
Alimentação, descanso, educação, lazer...tudo!
Embora não tenha planificado nem tivesse maturidade para isso, olhando para trás sei que fiz muita coisa com o objectivo de o preparar para a vida.
Não sei bem explicar, mas fi-lo.
Foi importantíssimo para mim abrir-lhe horizontes e cultivar-lhe gostos.
Como todos os irmãos mais velhos fui/sou tirana pondo a fasquia sempre alta para o obrigar a exceder-se enquanto pessoa e a evoluir.
Também como todos os irmãos passamos por varias fases de relacionamento.
A diferença de idade também o permitiu.
Inicialmente o ascendente era todo meu...até ai aos 7/8 anos.
Podia fazer guerra psicológica, impor-me pela força física...tudo valia.
E ele a aturar....
A partir dai, e aos poucos a coisa foi-se alterando.
A relação equilibrou-se.
Pudera!
Ele passou a ter mais força que eu!
Apesar de continuarmos a ser o gato e o rato, de termos pontos de vista tão diferentes, de discutirmos por coisas insignificantes...."Por acho que devia ser assim" e "Não gostei do que fizeste", eu procuro-o muitas vezes mesmo que só para o atazanar...sinal que lhe quero bem e o inverso também sinto ser verdadeiro....mas não, ele não me procura com esta postura infantil.
Sou eu a tonta.
E quem tem um modo torcido de dizer "Gosto de ti".
Ele sempre foi muito mais meigo comigo.
Se de início eu era uma fonte de saber para ele, rapidamente ele passou também a mostrar- me o mundo e a ser uma referência para mim em termos de gostos, de saberes e de viveres. Durante anos achei que ele fazia o papel de meu namorado.
Era a pessoa que me estava mais próxima e com quem eu partilhava muito.
A diferença de idade está agora muito mais esbatida.
Quando o olho, o vejo e o sinto sei que está preparado para a vida.
De uma forma que eu não esperava.
Ultrapassou aquilo que sonhei para ele e é uma pessoa super bem formada.
Com uma cabeça muito boa e uma maturidade incrível embora talvez ele não tenha esta noção dele próprio e não se dê conta daquilo que "é".
E hoje em dia os papéis inverteram-se e ele tornou-se o irmão mais velho, aquele que me orienta, me segura, me atura, me corrige o rumo e me faz ver as coisas de uma forma menos negra nos tempos que atravesso e que são algo tempestuosos.
Fica-me a ideia que ele me dá muito mais do que eu lhe dou a ele.
E é um enorme privilégio tê-lo como irmão.
Beijo Luís!

4 comentários:

SRRAJ disse...

Olá,
parabéns para o teu irmão.
Em pequena nunca tive o sonho de ter irmãos. Quando os desejei, já era tarde demais. E cá continuo no meu estatuto de filha única.
Sei que teria gostado de ter uma mana como tu.
Beijo
Sandra

Calais Pedro Family disse...

Kika querida, Adorei esta tua cronica da chegada do teu irmao, que para mim sera sempre o Carocinho. O que nos brincavamos com ele na nossa casa quando eramos vizinhos e estavamos bem pertinho! Ele aturava as tendas de indios, as bonecas no veste e despe, o fazer comida para as ditas cujas, enfim, era um de nos. E lembro-me bem do dia em que nasceu! Estavamos nos em casa da Fernanda na brincadeira naquele quintal que me parecia enorme e naquela casa que era algo misteriosa, algo Sophia de Mello Breyner Andersen. Obrigada por esta descricao tao bem feita e, sobretudo, pelos snetimentos que aqui conseguiste por. Confesso que me vieram as lagrimas aos olhos e, agora, que te escrevo, ainda estou comovida. Voces merecem-se como irmaos. Continuem. E parabens ao Luis! Ja 28? Oh my!
Beijinhos da Joao

Kika disse...

Olá Srraj,

Obrigada!
Também eu não me lembro de ter tido o sonho de ter um irmão, ao contrário de muitas crianças que os pedem aos pais.
E durante muitos anos fui filha, neta e sobrinha única. Sei por isso o que é ser filho único e também o que é ter irmãos.
Prefiro o segundo estado. Ainda que o primeiro também tenha muitas virtudes...como o estar mais desperto para os amigos.
E sim, o estado de "mana" de uma "mana" é uma coisa que gostava de ter vivido.

Beijo.

Kika disse...

Olás João!

Imagina se tu te comoveste....imagina os kilos de lenços de papel consumidos, por mim, a escreve-lo!
Um horror!
Um horror que adorei, claro.
Sabe tão bem recordar.
Sabe tão bem ir buscar estas memorias, lá ao fundinho dos viveres passados.
Escrevi sem perguntar nada a ninguém, porque no fundo será sempre a minha "história" do dia, será sempre esta a minha verdade...mas tu lembraste ao que brincamos? Aquilo que fizemos?
É que eu nada tenho nos registos....e se já puxei pela cabeça!

Beijo!