Ressalva: Ainda que eu não possa precisar os exactos termos em que correram os dois telefonemas que abaixo descrevo, dada a distância do tempo em que os recebi e o acontecimentos que deles decorreram, acho, no entanto, que estão minimamente fieis ao que foi dito e sobretudo ao que eu senti quando os recebi.
Telefonema 1
- Kika?
- Sim?
- Onde estás?
- Na Clínica. Porquê?
- Preciso de falar contigo.
- Falar comigo? Mas porquê?
- (Silêncio) Sim. Preciso de falar contigo.
- Mas de que assunto? Há algum problema?
- Sim..
- Há? Então?
-Vá, vou ter aí contigo.
- Mas que problema?
- Já vou ter aí contigo…
- Mas que problema???????????
- De saúde. Vá, já aí vou ter…
- Ok…
Morri por dentro.
Tentei desvalorizar. Não era a primeira vez que o meu Pai me procurava com idêntica conversa. Já deveria ter algum treino na coisa. Mas, apesar da prática, de umas vezes para as outras não conseguia aclimatar-me a estas notícias que ele de repente me resolvia dar, assim em primeira mão, sem que houvesse preparação prévia. Era meu o privilégio de apanhar estes sustos. E nada havia a fazer. Restava-me aguentar o tranco, arranjar a calma e o discernimento necessário para fazer as perguntas que o poriam a falar do assunto, me fariam recuperar do abanão e lhe dariam a tranquilidade necessária para encarar o “problema de saúde”.
Não foi diferente desta vez.
A única diferença foi que desta vez existia mesmo problema.
Telefonema 2
- Kika, podes chegar aqui?
- Vou já.
Nem nada mais disse, perguntei, argumentei ou ripostei. Sabia ao que ia quando recebi o telefonema. Ainda que nunca tivesse recebido um telefonema assim.
Estes dois telefonemas, tão aparentemente singelos, nunca mais os vou esquecer na vida e marcam um principio e um fim. Que eu não quero descrever, mas que não posso deixar de marcar.